domingo, 5 de dezembro de 2010

A difícil rotina dos pequenos superdotados

Mirella Marques


Para o estudioso norte-americano James Gallagher, referência internacional em educação especial, o fracasso da escola em proporcionar o desenvolvimento de crianças com deficiência é uma tragédia pessoal tanto para elas quanto para suas famílias. O fracasso em ajudar crianças com altas habilidades, no entanto, é uma tragédia para a sociedade. Essa, de extensão imensurável. Diz o pesquisador: ´As crianças superdotadas são parte das diferenças entre o que somos e o que poderíamos ser enquanto sociedade`. Graças ao maior acesso de informações de hoje, o Núcleo de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação (NAAH/S) no Recife registrou uma procura 40% superior a do ano passado. Cerca de 62 crianças e adolescentes de até 16 anos são acompanhados pelos profissionais do local.

Foi na instituição, localizada no bairro de Casa Amarela e ligada à Secretaria de Educação do Recife, que Marília de Lima Saatmam, de apenas cinco anos, descobriu que era especial. ´Levei Maríliaà pediatra porque achava que ela era hiperativa. Mas a médica desconfiou e disse que minha filha poderia ter altas habilidades. Pesquisei na internet e vim parar no NAAH/S. Nós estamos aqui há um ano e, desde então, Marília tornou-se mais espontânea e comunicativa. Acho que ela se encontrou`, comemora a mãe da menina, Risolene Lima da Silva, de 28 anos. A garota frequenta a turma de crianças precoces do núcleo. Na salinha, sempre em duplas, eles interagem e realizam atividades diversas, acompanhados por professores especializados.



Kauan Lucas Rangel, 6 anos, parece um menino como os outros de sua idade.
Porém, apesar de brincar com carrinhos, adora política e jornais
Fotos: Lais Telles/Esp DP/D.A Press
Marília ainda não pode ser chamada de superdotada mas, desde que tinha um ano e oito meses, já conhecia as letras e os nomes das cores. A superdotação só é avaliada a partir dos sete anos, idade em que os pequenos superdotados começam a desenvolver interesse específico por alguma área de conhecimento. A superdotação não é graduada apenas por testes de QI (quociente de inteligência). Em alguns casos, a partir dessa idade os prodígios ´estacionam` e acabam tendo um desenvolvimento igual ao de outros colegas da mesma idade.

Aos cinco anos, Marília escreve com facilidade e, por isso, está cursando o 2º ano do ensino fundamental numa escola particular. Nesta série, a faixa-etária é sete anos. Os educadores, no entanto, não recomendam o adiantamento desses alunos. O ideal é manter a criança na série correspondente, mas oferecendo atividades e estímulos extras. Porque, apesar de precoce, o emocional dela ainda não acompanha certas responsabilidades.
 
´Marília é o bebê da sala. E isso chega a incomodar. A criança sente que é diferente`, alerta Risolene. Ao contrário do que muita gente pode pensar, ser pai ou mãe de crianças precoces ou adolescentes superdotados não é fácil. O caminho é de surpresa, orgulho e, em seguida, preocupação. Afinal, como deve ser a educação e o tratamento a uma criança ´diferente`? A maioria das escolas não está preparada para recebê-las e podem frustrá-las ou, pior, inibir a capacidade desses pequenos.


Susto


É aí que entram as atividades do núcleo de atendimento.Além de oferecer oficinas de áreas diversas como artes visuais, desenho de humor, geometria do origami, jogos teatrais, robótica e comunicação, o NAAH/S dá, sobretudo, ajuda aos pais. ´Saber que meu filho era diferente foi assustador. Ele aprendeu a ler aos dois anos. Na época, achei que ele decorava marcas. Depois vi que ele realmente lia. Por isso, decidi matriculá-lo em uma escolinha de bairro e me arrependi. Kauan se transformou na atração do colégio. Alunos e até professores pediam para ele ler no recreio. Foi quando ele começou a mentir e dizer que não lia coisa nenhuma`, relata a mãe de Kauan Lucas Rangel, Vanessa Rangel, 29 anos.
 
O menino tem seis anos e um interesse bem diferente das crianças de sua idade. Ele é fã de política, gosta de ler jornais e assistir ao horário eleitoral gratuito. Diz à mãe que, se pudesse, queria votar. Agora que está no NAAH/S, o menino está trabalhando sua capacidade motora. É que, apesar de ler com a fluência de um adulto, ele ainda encontra dificuldade para escrever. Lá, ele também tornou-se mais sociável na escola.


Habilidades

Como perceber se seu filho/aluno possui habilidades especiais? Essas crianças são muito questionadoras, curiosas, investigadoras e gostam de afrontar as regras dos pais e dos professores. Por isso, várias vezes elas levam o rótulo de rebeldes. ´Mas é preciso especificar. A criança que não tem limites domésticos não aceita diálogo com o professor. Já o aluno com altas habilidades tem um poder de argumentação lógico e embasado`, explica a coordenadora do NAAH/S, Jussara Vieira. Em Pernambuco, de acordo com o último Censo Escolar, 50 crianças e adolescentes estudavam na rede regular de ensino matriculadas como superdotadas. No Brasil, estima-se que existem até 2 milhões de pessoas.

Para atender ao aumento da demanda, o MEC implantou núcleos de assistência em vários estados brasileiros. Os recursos foram poucos, R$ 2 milhões para todas as unidades. O único NAAH/S existente no estado funciona de forma modesta, em quatro pequenas salas do prédioda Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). Lá trabalham 11 profissionais entre psicólogas, professores, assistente social, arte-educador e psicopedagoga. O atendimento é gratuito. O telefone do núcleo é o 3355.6904.

Futuro

O futuro de uma criança superdotada é incerto. Embora as altas habilidades lhe garantam status perante os colegas e até mesmo os adultos, tudo vai depender de como a família e a escola desenvolvem essas potencialidades. Não se pode cobrar de mais nem de menos, para não desestimular os pequenos prodígios. Aos 13 anos, João Paulo Lima Tabosa quer ser design. Percebendo seus ´dons` para o desenho, uma professora da rede municipal encaminhou o menino para o núcleo de superdotação. Hoje ele é uma das ´estrelas` da turma de desenho de humor. O mesmo aconteceu com João Victor da Silva Oliveira Bezerra, de 15 anos. O jovem é fera em artes e até ganhou um concurso nacional de poesias para superdotados. Ele ganhou uma bolsa de estudos no curso de pintura a óleo, no ateliê do artistaplástico Gilson Braga.
 
Diário de Pernambuco
05 de dezembro de 2010

Nenhum comentário: