sexta-feira, 11 de junho de 2010

Nilton convive com uma rotina incessante de estudos e o estigma de ser um superdotado

Renato Castroneves



Nilton prefere os livros a uma conversa com garotos de sua idade; é um dos alunos
mais inteligentes da rede pública do Estado de São Paulo - Foto: Renato Castroneves


Odiados e excluídos por muitos, queridos por poucos, a vida dos jovens considerados superdotados nunca foi fácil nos bancos escolares. Esse é o caso do garoto Nilton Martins Mathias Brenner, de 16 anos, classificado pelo Projeto Um Olhar para as Altas Habilidades, da Secretaria de Educação, como um dos mil alunos mais inteligentes da rede pública de ensino do Estado de São Paulo.

Conheci Nilton numa tarde ensolarada no centro de São Bernardo. Olhar atento de repórter, logo estranhei quando vi um menino sentado debaixo de uma árvore no jardim do Paço Municipal. Lá estava ele, compenetrado e atento à leitura de um livro. Com tanta atenção, pensei: esse menino deve estar lendo algo realmente interessante.

Caminhei alguns metros na direção da minha curiosidade e percebi que havia outras obras ao redor daquela pessoa interessante. Não hesitei.

- Boa tarde! Tudo bem?

- Sim. (resposta curta e seca)

A cabeça baixa e o boné escondendo parte do rosto me deram a impressão que o garoto não estava muito interessado na minha presença. Mas tive vontade de continuar a conversa.

- O que está lendo? Parece que é muito interessante - neste momento ele parou de ler e olhou para mim.

- Você não vai gostar muito de saber. Quase ninguém gosta.

- Então me fale o que é. Estou curioso para saber se vou gostar ou não.

Nilton lia um livro de física-quântica, não muito comum entre jovens do Ensino Médio. Após 15 minutos de prosa, fiquei extremamente ansioso por fazer uma reportagem com o garoto. Marcamos a entrevista no mesmo local, dez dias depois.

Fui para casa pensando como deve ser a vida de alguém especial, seja nos estudos, na arte ou nos esportes. Os dias se passaram, até a data de entrevistar o garoto da árvore.

Timidez - Conversando com o garoto, percebi uma pessoa introvertida e quieta. Nilton andava sempre com a cabeça abaixada, como se estivesse evitando o olhar das pessoas. Foi difícil entender o que se passava por trás daquela figura instigante.

Perguntei se gostava de conversar, fazer novos amigos ou jogar futebol. A resposta, apesar de não me surpreender, foi incisiva.

- Até gosto, mas prefiro um bom livro a uma conversa.

Ele me contou que não anda rodeado de amigos por todos os lados, mas que possui alguns nos quais realmente confia. Para o garoto, é difícil encontrar jovens que tenham as mesmas afinidades que a dele.

Estudar, ler e ficar em casa são os grandes baratos do menino. Mas para aqueles que enxergam nele o estereótipo de nerd, Nilton me surpreendeu em alguns aspectos. Apesar da pouca idade o garoto já está na terceira namorada, uma garota do colégio.

Nada é por acaso - O destaque do menino entre os outros alunos não é apenas uma questão de “nascer inteligente”. Nilton é um exemplo de dedicação e perseverança.

A rotina do garoto começa antes do sol raiar em uma casa humilde, onde mora com os pais e duas irmãs, no bairro Taquacetuba, área da periferia de São Bernardo próxima à Represa Billings. Ele acorda todos os dias 4h30. A vontade de ir para o colégio supera a preguiça de ter que enfrentar dois ônibus e uma balsa para chegar à escola. São duas horas e trinta minutos de transporte, tempo que aproveita estudando.

A etapa matinal de estudos dele é realizada na Escola Estadual Amadeu Olivério, onde cursa o 3º ano do Ensino Médio. Assim que a aula acaba, Nilton corre para o seu momento de lazer no dia.

O almoço - um lanche preparado por sua mãe - é considerado o melhor momento do dia. Sob as árvores do Paço Municipal, Nilton relaxa na companhia de livros, um sanduíche de mortadela e uma maçã. Um cochilo de 20 minutos, e já está pronto para a segunda etapa de estudos.

Logo o momento de relaxar acaba, e Nilton segue para a ETE (Escola Técnica Estadual) Lauro Gomes. Lá, estuda no terceiro e último semestre de Automação Industrial. Para finalizar, Nilton frequenta às aulas de um cursinho preparatório para o vestibular no centro de São Bernardo. “O meu dia é muito cansativo, mas não tenho muito do que reclamar. Tem gente que não pode nem ir para escola”.

A jornada do garoto está quase no fim. Faltam apenas mais dois ônibus e uma balsa, novamente. “Chego em casa e desmaio. Cansa muito estudar em três lugares, mas acredito que vai valer a pena no futuro.”

Futuro - O sonho do menino é passar no vestibular para o curso de Engenharia Elétrica, em alguma uma universidade pública do Estado. Quando ouvi sua intenção profissional, me veio à cabeça o quanto de dinheiro uma mente tão brilhante iria ganhar no mercado de trabalho. O garoto seria disputado pelas empresas mais importantes do setor e receberia propostas milionárias. Mas não foi isso que ouvi quando lhe perguntei sobre o futuro.

“Quero ajudar os outros” - Essa foi a primeira resposta de Nilton quando perguntei sobre o seu maior sonho. Madura mesmo entre adultos, a vontade do garoto o motiva a não desistir da árdua rotina de estudos. “Vou estudar engenharia para poder colaborar com a sociedade. Quero descobrir novas fontes de energia limpa, colaborar com a preservação da natureza, disse o menino com um leve sorriso no rosto.

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